quarta-feira, 7 de março de 2012

Madonna – A Provocadora


Por Lucas Oliveira Dantas


Em 2008, quando Madonna completou 50 anos, ela lançou Hard Candy. O décimo primeiro álbum da artista, então com 25 anos de carreira, foi naturalmente um divisor de críticas, sendo mal dito, principalmente, pela falta de conteúdo mais maduro e condizente à idade da cantora. Próxima ao tempo em que o corpo feminino se “liberta” do controle das imposições biológicas (não mais menstrua, não se reproduz, nem é erótica), consequentemente perdendo seu papel social, Madonna – não pela primeira vez, deve-se enfatizar – fez exatamente o oposto do que se esperava dela: esfrega nas nossas caras mais uma verdade que não queremos ver sobre a mulher. A nova mulher de 50 tem vitalidade para dançar e tocar a vida ao ritmo das batidas de Timbaland, e sensualidade para ser desejada por Justin Timberlake, enquanto pula corda no palco.

Madonna, desde seu princípio, sempre fora um ícone de rebeldia na cultura pop. Leonina, dona de uma personalidade forte e autoconfiante, sua imagem camaleônica, contrastada a uma postura tão instigante quanto dúbia, constantemente levanta questionamentos sobre quem é de fato e quais as verdadeiras intenções por trás de suas escolhas e atitudes.

Em 1982, após sua primeira apresentação em rede nacional da TV norte-americana, ao ser perguntada qual era seu próximo passo, ela responde: “dominar o mundo!” Aquela prepotência jovial fez muitos torcerem o nariz, duvidando de seu sucesso. Mas os anos se passaram e, realizando seu objetivo, Madonna produziu imagens incitantes/excitantes que, muitas vezes, chocaram o mundo.

Nos anos 1980, seu estilo pós-punk foi imitado por milhares de adolescentes, preocupando as mães com sua influência sobre as filhas. Ela provocou o desgosto das feministas adornando sua imagem sexual com o título “boy toy” (brinquedo dos garotos) e deixou boquiaberta a puritana sociedade estadunidense, mostrando a calcinha na transmissão ao vivo do primeiro Video Music Awards, premiação da MTV, ao cantar seu primeiro grande sucesso, a música recheada de conotações e sons sexuais, “Like A Virgin”.

Mais tarde, as famílias tradicionais tiveram que lidar com o sucesso de “Papa Don’t Preach”, canção que falava abertamente sobre sexo e gravidez adolescente. Depois disso, Madonna enervou setores conservadores da sociedade ao declarar amor e inspiração na cultura gay (“Vogue”), escancarar sua sexualidade (“Justify My Love” e “Erotica”), sem antes deixar de causar a ira do Vaticano com o clipe de “Like A Prayer”, no qual ela dança sensual e contemplativa diante de cruzes em chamas e faz amor, numa igreja, com um santo negro que se materializava para sua imagem sexual.

Consolidada como artista, ninguém mais questiona a perspicácia madônnica em atrair as atenções para si. O questionamento é por que a grande maioria de nós ainda presta atenção no que ela faz e diz, mantendo-a única no trono da realeza pop, e porque ela ainda choca.

Suas reinvenções são meticulosamente produzidas para causar dúvidas no espectador; mesmo os videoclipes mais insossos, ou até mesmo as roupas que escolhe, geram questionamentos sobre suas intenções e mensagens subliminares às imagens ricas em referências, que vão da literatura ao cinema e às artes plásticas. As apresentações e turnês são conceituais, contando histórias densas através de música, dança, teatro e vídeo, lotando estádios e casas de show ao redor do mundo, apesar dos valores salgados dos ingressos.

Eis que numa sociedade em que o corpo feminino, não raro, é objeto manipulado e reprimido, Madonna se fez uma transgressora de vanguarda, justamente por mostrar de maneira pragmática (ou seja, intencional) aquilo que não se quer enxergar e saber sobre a mulher. Ela utiliza esse mesmo “objeto”, prometendo entregar o que se espera dele, e sarcasticamente subverte a lógica, vira o tabuleiro, chuta nossas bundas e apresenta comportamentos opostos às expectativas.

Madonna diz o que quer dizer e faz o que quer fazer; neste contexto pós-revolução feminista, no qual ainda não compreendemos ou percebemos as transformações que ocorreram (e ocorrem), isso significa ir de encontro e romper padrões sociais congelados por séculos de história e comportamento. Ela ilumina com flashes e holofotes aquilo que escolhemos ignorar sobre o feminino – a sexualidade, o cérebro, a voz, a autonomia. Apesar de os críticos e cínicos (geralmente homens) a culparem de banalizar a figura da mulher, sua força e status como entertainer e produto altamente vendável, a mantêm firme como uma figura instigante da cultura.

E se suas atitudes e obra ainda chocam é porque o machismo e a misoginia ainda imperam – fazendo dela uma exímia e necessária provocadora.

(Agradecimentos a Lelia Reis)
Imagens: Google

1 comentários:

  1. depois de décadas, voltam a questionar o valor de sua construção imagética nos dias de hoje. de novo se perguntam se o novo álbum entrega ao público uma artista madura, com valores consolidados e canções "dignas" de sua trajetória. não sabem responder como ela consegue ser assistida num evento esportivo mais do q a média do próprio evento, q, por si só, já tem marca histórica e consegue vender tanto um álbum q nem foi lançado. mas se apressam em dizer q as novas canções são fúteis, musicalmente tolas, preguiçosas. fico imaginando se ela não para sozinha, em algum momento, e pensa: "eles ainda tentam saber quem sou eu". e esta é uma pergunta q cada ser humano se faz há milênios.

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