terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Rebucetê Entrevista: Talles Lopes

Por Rafael Flores e Ana Paula Marques


Foto: Rafael Flores
Em 2011, Vitória da Conquista sediou renomados festivais do cenário musical brasileiro. Da grande indústria fonográfica à produção independente, vários eventos, como o Festival Suiça Bahiana, Avuador e Festival de Inverno Bahia, compuseram o cenário cultural da cidade neste ano.

Talles Lopes, presidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes, ABRAFIN, foi um dos nomes que compôs a grade dos mais recentes festivais, o Festival Avuador. Para falar sobre políticas culturais e a explosão das produções independentes no Brasil na última década, o mineiro participou da mesa de debates que abriu a programação do evento,ocorrido entre 24 e 26 de novembro.


Durante uma breve pausa para o cigarro em frente a quase invisível Academia Conquistense de Letras, Lopes nos concedeu uma breve entrevista. Fazendo um apanhado geral do que tinha usado em sua apresentação na mesa, o também idealizador do Festival Jambolada e fundador do Coletivo Goma traçou um perfil da gestão pública da cultura nestes últimos dez anos.

OR: Trace um histórico e tente avaliar o boom de festivais independentes no Brasil dos anos 2000 pra cá.

TL: A gente tem uma cena muito bacana no Brasil, que na verdade começou nos anos 90 a partir do nascimento de alguns festivais, como o Abril pro Rock em Recife. Naquele momento os festivais mudaram o formato competitivo e assumiram dois compromissos: a valorização do mercado da música independente e o desenvolvimento das cenas locais. Essas experiências bem sucedidas fizeram com que produtores do Brasil inteiro entendessem que a plataforma de um festival era algo interessante para conectar o que estava acontecendo dentro e fora da sua cidade. No final dos anos 90 com a explosão da internet ficou fácil para as pessoas terem acesso a essas experiências, como por exemplo, o cara que está no interior de Minas saber o que está acontecendo no Nordeste e vice-versa. Vários festivais começaram a surgir, e a partir de 2005, com o surgimento da ABRAFIN isso ganhou outra força. A ABRAFIN deu outra visibilidade para os festivais independentes e criou um movimento a partir do seu desenvolvimento. Nos últimos dez anos temos a soma dessas duas experiências, fazendo com que hoje tenhamos mais de duzentos festivais espalhados pelo Brasil e que se pautam um pouco nesses conceitos: ser um campo de intercâmbio, ser um espaço de conexão da cena local com o que acontece fora e de desenvolvimento para a música na cidade. A gente espera que esse cenário possa além de crescer, crescer de forma organizada.

OR: Qual é a contribuição desses festivais para a descentralização e a democratização da produção cultural brasileira?

TL: Os festivais têm uma contribuição muito grande e a ABRAFIN também cumpre um papel importante nesse sentido. Primeiro, porque a gente percebe que os festivais estão em todo país, desde o Amapá ao Rio Grande do Sul. Como a gente já tinha no início da Associação, festivais espalhados por todo o Brasil, entendemos que de certa forma era uma das locações desse processo mostrar que existem coisas boas acontecendo em vários lugares. Agora, com o desenvolvimento desses circuitos regionais, como está acontecendo com o circuito de festivais da Bahia, como acontece com o circuito mineiro de festivais independentes, com o circuito paulista, entre outros, temos a possibilidade de criar um mercado regional que atenda essa posição regional. Até então tínhamos o artista que despontava em qualquer região do Brasil e em determinado momento achávamos que ele tinha que mudar pra São Paulo ou para o Rio de Janeiro para ele poder dar sequência à carreira dele. Como hoje temos estruturas espalhadas por todo o Brasil, isso já não se faz necessário. Pode ser estratégico em alguns momentos, mas não se faz mais necessário. E eu acho que isso é um processo muito importante e tem que continuar avançando, afinal de contas, o Brasil possui 27 estados, com uma riqueza cultural imensa e a gente não pode ter uma concentração desse processo em duas cidades do Brasil apenas.

OR: Quais as dificuldades que você vê em relação às políticas públicas e a produção de Cultura no Brasil?

TL: Cara, eu acho que a gente tem avançado muito também nesse setor da política cultural. Até Gilberto Gil assumir o Ministério da Cultura a nove anos atrás, quando o Lula ganhou a primeira eleição, a gente tinha um problema muito sério. A cultura era completamente desvalorizada, era vista como a cerejinha do bolo, algo bem periférico e ainda a política era meio que de balcão, aquela coisa do amigo do gestor que consegue um espaço. Nós começamos de fato a ter um avanço, primeiro numa tentativa de posicionar a cultura como um eixo estratégico, de que ela é importante porque ela não resolve apenas os problemas dos artistas, do mesmo jeito que o Ministério da Saúde não faz política só para o médico. É muito mais fácil se resolver problemas de violência, conscientização, combates às drogas, educação no trânsito através da mudança e da sensibilização do cidadão em relação ao seu olhar pro mundo. Então, houve essa mudança, houve uma tentativa também de dar mais transparência e provocar um maior envolvimento nos editais públicos. É claro que hoje, especificamente no ponto de vista federal, a gente teve um retrocesso com esse último ministério, que diminuiu o diálogo que a gente tinha com os setores organizados. Durante esses oito anos do governo Lula, os setores foram se organizando. O estado foi criando espaços, os conselhos municipais, os conselhos estaduais, as conferências pra cultura, onde o poder público dialogava com a sociedade pra construir as políticas conjuntamente. A gente teve um retrocesso nesse sentido, mas eu acredito que os avanços que aconteceram colocam pra gente pelo menos uma sociedade civil mais organizada e mais pronta pra pressionar os gestores públicos a dar continuidade a uma política que seja interessante pra esse setor. Eu acho que as grandes dificuldades passam por aquele contexto que eu coloquei. Talvez por uma inabilidade pra poder entender a construção desse diálogo com o setor organizado, a manutenção de algumas táticas patrimonialistas, que são essas do lobby, do privilégio, da relação pessoal, que eu acredito que pelo interior do Brasil, ainda seja muito grande a ocorrência desse tipo de coisa. Mas como eu disse, eu sou otimista ao avaliar esse momento. Hoje mais do que o Estado, a sociedade civil está mais preparada pra ajudar o estado a construir melhor as políticas públicas.

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